Minicontos Humor

 

 

 

Caduquice

Era guardado com todo o zelo, muito bem escondido...
Era como um tesouro. O velho ali recolhia as chaves de um segredo. Trazia um sorriso maroto, do tempo de garoto, quando eram outros os segredos...
Mas foi descoberto em dia agitado, a neta encontrou o pote lacrado. Descuidada, o derrubou...
Espatifado, pelo chão espalhou-se a revelação à toda a família:
As dezenas de parafusos que faltavam no cérebro do avô denunciaram a falcatrua:
Senilidade qual nada! Galhofice de ancião!

Anorkinda

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Elástico de cabelo

Sempre foi meu companheiro, porque pra brincar, cabelo comprido incomoda! Prendo o cabelo e lá me vou piruetar por aí...Não é porque cresci que vou parar de inventar moda!
Prendo o cabelo e continuo a piruetar por aí...
Tanto é meu companheiro que por ficar o mais perto da minha cachola do que qualquer outro companheiro...o elástico de cabelo sabe tudo do que gosto! Ele lê todo meu pensamento e nem é fofoqueiro...o elástico de cabelo sabe tudo do que gosto!
Mas não pense o curioso que pode descobrir meus segredos...não! Eu e o elástico de cabelo temos um trato tácito: ninguém conta nada pro fone de ouvido!

Anorkinda

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Na ceia de Natal (Diário de um talher de prata)

Amanheceu meu dia de trabalho! Poucas vezes no ano preciso trabalhar, não acostumo-me a essa azáfama... Se temos um ano inteiro para preparar a Ceia (Sempre tão bonita!) porque acumula-se tudo no último dia?
Já estou mergulhado em água de limpeza, logo virão me esfregar... meus átomos vibrarão tanto a ponto de brilhar, que canseira! Quanto mais exausto eu fico, mais agrado as vistas deste gente stressada.

Logo a noite chega e alcançarei alimentos dos mais finos, requintados e saborosos à boca de alguma dama ou cavalheiro... Hoje os dias não são mais como antes, quando eu saboreava junto, em observação prazenteira, o deguste, a apreciação do manjar. Não. Hoje as pessoas se utilizam de meu serviço e empanturram-se com a comida numa estabanação eufórica, eu subo e desço do prato à boca, tantas vezes, tantas vezes... Fico tonto e sequer consigo discernir o que levo.

Ah... meu consolo é que depois da limpeza final, nesta madrugada. Descansarei por mais 364 dias...

Anorkinda

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O caso do estilingue voador

Nada esclarecia aquele mistério... Era o garoto apontar o estilingue n'algum passarinho desavisado... fazer mira... atirar e a pedrinha caía...o estilingue voava!
Não alcançava a vítima, claro e ainda provocava risadas dos pestinhas da vizinhança.

Ele aprendera certinho, como fazer. Se a mira era uma lata, ela era derrubada... mas se um pássaro ele queria derrubar...nada... o estilingue voava!

Certa vez, ele foi sozinho para o quintal, no canto mais solitário de sua morada... esperou um pardalzinho pousar na corda do varal... E zás! O estilingue voou, a pedra não!

Como não havia ninguém pra rir do acontecido, o garoto pôde ouvir:
- Não maltrato passarinho, pode desistir!

Anorkinda

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O CONTO DO CÃOZINHO

-Eu tenho um poodle! Eu tenho um poodle!
Dizia contente e saltitante a garota agarrada no novo bichinho que substituía a pelúcia companheira de infância.
Seu tio, visita certa de todo fim de semana, solteirão camarada, matreiro, de pouco estudo e parceiro de conversa fiada...
Achou estranho o nome do cãozinho...mas ficou quieto, 'menina nova não deve saber o que tá dizendo...'
Durante todo o domingo foi aquela agarração no fofinho, no lindinho, no cheirosinho, no poodle!
E o tio, olhava de cantinho, sestroso...aquele nome incomodando as orelhas.
A semana recomeçou na segunda-feira de todas as preguiças e o tio conversa fiada vai e vem com os amigos, saltou de dizer que a sobrinha tinha um cãozinho novo, perguntaram-lhe a raça...não sabia dizer...mas o nome do bichinho era por demais esquisito.
Nunca vira um nome desse num cãozinho de menina!
E o tio foi descrevendo o animalzinho...é branco, pequeno, peludo como um urso de pelúcia.
Mataram logo: - É poodle!
O tio até assustou-se nesse momento:
- Como vocês sabem o nome do cachorro? Cruz credo, é excomungação...uma garotinha colocar esse nome no cãozinho...Puto! E o povo ainda descobrir!
É filhote do coisa-ruim, só pode ser!
Foi ele tratar de providenciar uma água de benzedeira pra descarregar o espanto de dentro de casa!

Anorkinda

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O dia colorido

Ele era tão branquinho... o cavalo do circo, carregava tanta gente em voltas e voltas pelo picadeiro, fosse em dia de ensaio ou espetáculo. Ele era tão mansinho... o cavalo, sem companhia equina, se divertia apenas com os palhaços, mas só quando estes estavam coloridos, saltitando em graça.
Ele desejou ser também palhaço e colorir o corpo e a crina, fazer piruetas, saltos mortais e rir a valer do riso da plateia...
E foi num dia especial e colorido que o Palhaço Boa Ideia, pintou-lhe a crina, vestiu-lhe um tecido reluzente e adentrou o picadeiro com a cara deslavada de quem vai aprontar uma boa!
A gargalhada foi geral quando o público viu Ventinho, o cavalo branquinho, escorregar no palco ensaboado e relinchar desengonçado com a surpresa tão inédita de ter um sonho realizado!

Anorkinda

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O que eu faço com uma lâmpada

Depende da lâmpada...
De uma lâmpada imaginária eu retiro ideias originais, no momento mesmo em que ela acende uma faísca...
Da lâmpada fluorescente, eu faço rima, pois que a rima saliente, paciente, inconsequente é das mais fáceis de arranjar...
Da lâmpada colorida eu improviso a festa, danceteria pisca-pisca até a pobre queimar de frenesi...
Mas de uma lâmpada dos desejos, eu nem mesmo bocejo e tasco logo um beijo no gênio de fantasia boêmia!

Anorkinda

 

Sapatos

A mulher era compulsiva. Compulsiva por sapatos. Daquelas que possuíam um closet para sapatos. Haviam pares dos quais ela nem lembrava. Mas ela precisava comprar.
Bastava que uma oferta lhe caísse aos olhos. Ou que um par fosse suficientemente original para que a suposição de não possuí-lo fosse aterrorizante.

A família ralhava, claro. Todo seu salário e mais empréstimos do marido. Tudo transformava-se em sapatos. Comerciais de calçados a hipnotizavam e traçavam o caminho dela até a referida loja. A mulher chegou no ponto de só pensar e falar de sapatos. Esperava ansiosamente os lançamentos de cada estação e argumentava os prós e contras das tendências da moda, no que referia-se a calçados, claro.

Naquele dia, ela saiu com uma bolsa azul, a preferida. A bolsa deveria ter bem uns vinte anos. Não tinha alças nem tira-a-colo, era de carregar na mão. A mulher a descansava de forma prática, debaixo do braço, assim as mãos ficavam livres para as compras.

O movimento da loja de sapatos, àquele dia, era fraco. O vendedor era-lhe todo atenção, sorrisos e sapatos. Sapatos para experimentar. Verificar o conforto, o tamanho, a largura, os ajustes. Mesmo que depois, o mesmo ficasse no armário para todo o sempre. A mulher era boa cliente, não convinha decepcioná-la.

De repente, entrou na loja, uma amiga. Três beijinhos, notícias dos parentes mais próximos e a conversa cai nos sapatos. Os defeitos da nova coleção da griffe famosa. As cores vistosas em contraste com neutras. O bate-papo fluía. O vendedor foi esquecido guardando caixas de sapatos.

O sapato azul, previamente escolhido pela compradora compulsiva precisava ir ao setor de pacotes. Mas o vendedor hesitava. As mulheres conversando, animadas. Dirigiam-se ao caixa.
- Senhora! - chamou o vendedor, bastante encabulado.
- Sim?
- Sua bolsa! - O vendedor segurava a bolsa antiga da mulher que fora esquecida em cima de uma poltrona.

Ela ficou muito intrigada, por alguns segundos...
Retirou debaixo do braço, então, um dos sapatos azuis do par que escolhera para comprar!

 

Anorkinda

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Se eu fosse um ventilador

Bem...eu seria um ventilador fêmea. Pra poder casar com Houston, meu personal ventilador! Eu uniria nossas lâminas giratórias num frenesi de amor insano, provocando vendavais caseiros. Eu dispararia os botões de regulagem de velocidade, na corrida do desejo em busca do extase primeiro. Eu esquentaria a atmosfera em fervor de amor.
Bem...eu seria um ventilador fêmea ardente, certamente me confundiriam com o aquecedor de ambientes e só me procurariam no inverno!

Anorkinda

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Sou a luva da Alegria

Assim, estufada, colorida a canetinha hidrocor... Eu provoco muitas risadas! Também eu gosto de rir, a gargalhada desenhada em meu corpo e minhas orelhas inchadas de ar, são cômicas!
Posso contar contos de fada ou de humor, posso apenas dizer: Oi... Mas não posso deixar de abrir sorrisos.
Às crianças doentinhas, eu trago carinho em forma de piada e conversação... O imaginário reveste a aura de todo o hospital de luz cristal! Eu sou muito feliz em parceria com os Doutores da Alegria, somos responsáveis pela chama da esperança!
Sou uma luva cirúrgica desviada para fins felizes!

Anorkinda

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Um dia duro

Hoje será um dia de trabalho duro. É clássico esportivo na minha cidade, o futebol... Paixão deste meu dono. Mal amanheceu em cores claras prenunciando sol e já fui ligado. São tantos comentários que meus circuitos estão zonzos.
Vozes masculinas, sobressaltadas, emocionadas, apreenssivas e meu dono nem me toca, só escuta e retorce os dedos. A emoção destes seres me atinge os timbres de meu volume e conforme o dia avança em tom mais agudo eu falo.
Já estou cansado quando o jogo começa. Internacional e Grêmio, o famoso Gre-Nal das paixões porto-alegrenses... Me concentro em total dedicação a meu ofício, afinal eu não posso demonstrar minha torcida tricolor nem quando a narração me diz que o juiz ignorou todas as faltas coloradas!!!!!

Anorkinda