de Amor

 

 

 

Encantadora

Ela sempre foi exagerada em tudo. Desde bebê, ao mamar, ao brincar, ao comer...
E exigente! Ah... como ela é exigente! Exige atenção, exige afeto, exige colo. Não aprendeu a olhar
o outro. Todos lhe são espelhos, onde ela se vê refletida.
Mas é encantadora... Conquista, mas pobre de mim! Me vejo sem ar, sem espaço, lambusado num amor pegajoso.
Mas eu gosto e detesto. É uma teia, uma cadeia de carinhos e cobranças... É um ciclo de exageros irrefutáveis
e até amáveis. Pois ela ama e tanto e ama tanto... e acabo me contentando.

Anorkinda


                                                                      O FIO DO DESTINO

Ela encontrava-se apaixonada. À primeira vista. Pelo jovem, que como tantos outros,
chegava com o grupo de voluntários para o 'sacrifício da colheita'. Seis rapazes e seis moças desfilavam trajes típicos em agradecimento pelo bom tempo e pela boa safra daquele ano.
Todo ano. Todo ano a mesma celebração... Ariadne nem importava-se mais com o desfile ou com a colheita... Tudo estaria sempre igual, a cada ano!
Mas, subitamente, um brilho novo pulsou no peito da moça. Ao pousar os olhos distraídos no rapaz de castanhos cabelos e porte viril, ela sentiu que algo mudaria naquele verão.

O rapaz era Teseu. Foi convidado para o desfile por ser atlético e bem apessoado. Mas ele detestava as convenções e as tradições e estava decidido a oportunizar alguma mudança. Por isso ele veio. E quando, do alto da passarela onde era apresentado como um dos modelos para o desfile, seu olhar encontrou os olhos ávidos de uma moça, eles eram promessas alvissareiras... Teseu soube que poderia transformar o mundo naquele dia!
Ela tinha uma chave consigo. E Teseu saberia utilizá-la para abrir todas as possibilidades para o amanhã que, não somente ele, mas todo o povo merecia.

 


Durante a festa, o som da fanfarra tentava animar a população, mas Ariadne procurava pelo motivo de sua alteração de ânimo e perspectivas. Teseu a viu primeiro e chegou já com uma bebida nas mãos. E ofereceu-lhe apenas com um sorriso. O coração de Ariadne derreteu ali mesmo, sem mais chances de condensar-se à razão.
Conversaram ainda muito sobre as banalidades, as quais nenhum deles estava interessado, até que Teseu desabafou:
- Na verdade, eu estou neste desfile com muita vontade de virar a mesa e acabar com toda a tradição sem sentido!
- Eu posso ajudar! - disse a moça.
Teseu precisou de muita força de vontade para não gritar de alegria, por verificar que acertara quando pressentiu a mágica no olhar daquela garota.
- Só quero ir embora com você, pois depois que esta festa acabar, eu não poderei viver mais aqui.
Teseu prometeu-lhe tudo o que os sonhos femininos podem querer e Ariadne tomou um ar resoluto e pediu que a esperasse.

Ela encaminhou-se com uma pressa muito feliz até seu jardim especial, onde guardava no caramanchão, seus maiores segredos. Ninguém lhe prestava atenção, mas era ali que ela passava horas entretecendo os fios de sua magia... Na esperança de um dia poder utilizá-la.
Ela disse adeus a seu lugar mágico, jamais voltaria, ela sabia. Saiu com um novelo nas mãos.
Encontrou Teseu já vestido com os trajes do desfile, esperando por ela na entrada da passarela.
O desfile ao ar livre facilitava os planos de Ariadne.


- Leve este novelo, meu amor. E vá desenleando-o conforme caminhas pela passarela.
Teseu achou muito estranho.
- Mas no que isto muda alguma coisa?
- Confie em mim!
Nos olhos da moça não havia apenas confiança, mas uma decisão. Tudo seria transformado naquela noite.

Ao ser desenrolado, o fio de Ariadne brilhava. Nunca havia-se visto um brilho daquele tipo nem daquele tom. Era como se uma corda muito antiga estivesse a tocar uma canção a muito esquecida.
O público não prestou mais atenção alguma nos modelos que desfilavam, todos os olhares acompanhavam o fio brilhante que Teseu desenrolava, iluminando toda a passarela.
Conforme toda a atenção dos presentes focava-se na linha, agora já quase toda desenleada, novas ideias iam-se formando nas mentes daquela gente simples. De repente muita criatividade brotava de forma invisível, mas Ariadne sabia que ela estava ali, a germinar no interior de cada habitante de sua querida cidade.

Mas isso teria um preço. Ariadne sabia que uma pessoa ficaria imune ao efeito mágico de seu fio encantado. O prefeito.
O homem bufafa no camarote onde confortavelmente instalou-se a fim de assistir a repetição de todos os anos... O desfile sem vida, sem a animação da novidade, sem expectativas. Ele encontrou o sorriso satisfeito de Ariadne em meio a plateia e, no mesmo instante, percebeu que a moça estranha que tecia num caramanchão discreto, era uma bruxa. E ela planejou acabar com suas satisfações autocráticas.
Imediatamente, o Senhor prefeito da pequena cidade deu ordem à segurança de parar o desfile e prender Teseu e Ariadne.

 



O rapaz, percebendo a movimentação policial, fez um sinal para Ariadne e pulou em meio ao público. Ela encontrou sua mão ágil e forte e correram, assim unidos, para o estacionamento. Não tiveram problemas para fugir da cidade no carro veloz de Teseu e Ariadne sentiu-se pela primeira vez, plena e feliz. Ela havia cumprido seu dever de devolver a criatividade a seu povo, esta soberania nenhum prefeito poderia arrancar dos cidadãos. Mas a moça também sabia que jamais poderia voltar.
Ela não temia, pois o amor viajava a seu lado.

Já, Teseu, estava radiante. Pensando em seu feito, na sua satisfação em ter realizado um grande ato. Ele jamais se permitiria curvar ante uma tradição sem sentido. Pensava na festa que faria junto a seus amigos, narrando sua galhardia em libertar uma população inteira de uma besteira obrigatória anual.
Vinham por uma estrada antiga e pouco movimentada, por segurança. Não conversavam durante o caminho, entretidos, cada um, em seus próprios pensamentos. O rapaz parou em um pequeno restaurante para alimentarem-se e seguir viagem depois de um descanso.

Ariadne demorou-se no banheiro do restaurante, ela precisava de alguns minutos a sós para respirar fundo e organizar suas emoções... Penteou-se demoradamente, lavou o rosto e voltou ao salão. Teseu deveria estar na mesa que escolhera a um canto, mas não estava. A moça olhou para o balcão, para o caixa, para as outras mesas.
Enfim, Ariadne percebeu que o carro não estava estacionado à frente do estabelecimento. Um arrepio percorreu seu corpo e perturbou-lhe completamente.

De repente, ela percebeu que confiara numa pessoa completamente desconhecida. Tudo o que sabia de magia não envolvia as paixões humanas. E ela apaixonou-se à primeira vista, não estava preparada para isto.
Seria este o preço a pagar por ter desobedecido as regras da sociedade?

 



Ariadne desabafou seu desespero com o dono do restaurante. Dionísio, um homem bastante solícito que lhe foi muito atencioso, ofereceu um chá para relaxar e esforçou-se para que ela comesse alguma coisa, por cortesia da casa.

Conversaram por toda a madrugada, Ariadne contou a Dionísio, toda sua vida. Ela chorou bastante e falou bastante também, sabia que precisava desvencilhar-se de tudo o que a afligia para poder prosseguir.
- Amanheceu, querida Ariadne... O que você pensa em fazer agora? - Dionísio tinha no olhar a resposta para a própria pergunta, mas Ariadne não quis acreditar que havia magia ali.


Anorkinda

 

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Querido diário,

Sempre entendi que amar é somar num sem fim de acréscimos... Portanto, amei e amo intensamente e sem fim. Sinto por dentro da pele, que o amor é realmente infinito...

Guardo todos os nomes (Simples caracteres que marcam uma identidade) dos meninos, rapazes, homens a quem eu amei... Guardo-os na memória do coração. Sinto por eles o mesmo amor de outrora, embora a ansiedade da paxão tenha se transformado em conformação...

Vou contar alguns reencontros...

Estou reflexiva sobre o amor, sobre os meus amores, desde ontem quando vi Osvaldo folheando uma revista na tabacaria da esquina. Ele não morava por aqui, mas ele mudou-se, esta rua fica mais próxima da escola da filha, uma linda menina de cachos louros, ele corujou-me...
Conversamos apenas o suficiente para trocarmos as novidades de ambos desde três anos atrás, quando nos separamos debaixo de lágrimas de saudades antecipadas. Sabíamos que não podíamos conviver num relacionamento estável.... Muitas diferenças, empecilhos... Àquela época não sabiamos o quanto fora esta a melhor decisão! Agora sabemos e somos felizes, saboreando este amor respeitos, um pelo outro, sem mais problemas.

Estou ponderando sobre meus amores, devido a uma sucessão de coincidências...

Mês passado, foi Leandro que eu encontrei na festa de aniversário da cidade. Lindo Leandro... Paixão ardente, um homem marcante... inesquecível. Conversamos cheios de saudades para matar, o mesmo brilho nos olhos, a mesma vontade de estar juntos por mais tempo... Passamos longas e deliciosas horas repassando o tempo de separação e relembrando os tempos juntos. Continuamos nos amando.

E no ano passado que reencontrei Fábio! Simplesmente irreconhecível, fomos namoradinhos de infância! Nos vimos no meu trabalho, apenas quando li seu nome na ficha burocrática, tão fria, formal e automática... Mas li seu nome e todo um sentimento veio à tona. Me reapresentei a ele, porque também Fábio não me reconheceu... Sorrimos, lembramos de nossas pequenas estaturas no passado, rimos disto e nos despedimos, cada um com um baú de lembranças aberto.

Estou pensando, escrevendo... e sentindo saudades de Augusto, meu namorado de boa parte da juventude. Augusto  que me ajudou tanto quando separei-me de Osvaldo... Augusto que foi o amor amigo, companheiro. Crescemos juntos em planos, sonhos e na realidade que nos aturdia em nossos primeiros passos de vida adulta. Não há como deixar de amar Augusto... não há como deixar de amar qualquer dos meus amores reais ou platônicos, amores de ocasião, amores fraternos, todos amores eternos.

É, Suzana... teu coração de espaço infinito para o amor segue firme e forte, recheado de experiências, confortado nas ausências...

Opa... preciso parar por aqui... o telefone tocou... mensagem do Valdir.
Vou lá... acrescentar-me mais amor!

Beijo, diário.

Anorkinda